Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

27 de julho de 2012

Cuida de mim


   Cuida de mim, que hoje não consigo dormir. Cuida de mim, que hoje não aguento fingir. Cuida de mim, que hoje não sei se é melhor ficar ou partir. Mas sempre haverá o poço, sempre haverá um agosto, sempre haverá.
   Cuida de mim, que hoje tenho mil agostos queimando por dentro. Retire o veneno, e a partir do seu unguento prepare qualquer coisa como um bolo, uma vitamina ou um chá - talvez saia doce, talvez haja de me curar - e me embale no calor do seu olhar. Hoje não sei dormir, fingir ou partir – apenas pairar. Mande meus fantasmas embora, bloqueie a porta e me ensine a deixar a tristeza pra lá, que os agostos tem jeitos estranhos de se manifestar. Mas não me diga não, que hoje vacilo ante qualquer hesitação. Mas não me deixe na mão, que já não suporto sozinha o peso de existir, e é a tua força que me impede de cair no chão. Mas não vira de lado, não silencia, não grita nas entrelinhas que minhas dores virarão pó e cinza, só deixando pra trás a sombra embaraçosa de um esqueleto vão. Somos só esqueletos, por dentro? Somos só retalhos e nós? Somos só ruínas, por dentro? E o que somos por dentro é o que somos, e só? Somos caos e ruínas? Somos cinzas e pó?
   Talvez sejamos. Portanto, entendo quando se afasta, que as minhas são radioativas, e o meu coração, cheio de farpas. Quem sabe não te firo sem pressentir, movida pela inconsciente necessidade de pintar teu corpo com minhas chagas? Quem sabe não te provo cara a cara que a minha fera é latente mas ataca, e jamais se retrata? Quem sabe não te mato de cansaço dessa minha fúria inesgotável de tornar minha miséria ainda mais miserável? Mas dorme sossegado, que bem sei que aquele mesmo poço sem fundo com que venho flertando há longos anos é seletivo e privado, e tanto não ousaria tentar criar espaço para mais um, quanto não sinto nenhuma inclinação particular em dividir minha residência perpétua com mais ninguém.
    Por isso, não lhe peço que compreenda as origens do meu mal estar, que se aproxime ou sequer se solidarize com a ausência de brilho no meu andar. Nos momentos em que o meu coração pender perigosamente rumo ao abismo, quando tudo o que há em mim clamar pelo perigo, e ao que tudo o que eu souber sentir torna-se ausência e martírio, reservo-te apenas um singelo pedido: cuida de mim. Porque sempre haverá o poço, sempre, um agosto, mas sempre nunca um fim.