Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

15 de maio de 2011

SUFOQUE


     É foda ficar o tempo todo controlando os excessos da minha loucura, que sempre parecem doer os olhos dos outros. Que me perdoe o linguajar chulo e este sofrer tão pouco shakespeariano, mas acontece que esta dor, ao contrário de tantas outras, não tem nada de poético - se assim o fosse, lhe poderia apagar com borracha, flanela ou esfuminho. O meu sofrer é agora, é real, é de bossa e de grito, de areia e de arenito, de pau e de pedra, no caminho: a realidade é sufocante, existir me sufoca. É foda.
     Estou tão quebrada por dentro que sei que o único jeito de sair dessa é, mais que fugir, me chafurdar de vez na lama do pensamento, que assim exploro ao máximo os males do amor e do desalento e faço nó, da dor, faço sol, da flor, e ascendo. Mas se a realidade é sufocante, e existir me sufoca, lento, o que faço? É foda.
     Liberdade e privacidade, só encontro mesmo numa cabine de banheiro, onde eu posso ser monstro sem me censurar, primeiro, onde posso ser o monstro que sou, por inteiro, e que só eu conheço. É lá onde, quase todo dia, ensaio grito morte histeria e às vezes até apreço, onde me tranco sozinha e escrevo, escrevo, diálogo extenso tosco bobo entre os monstros todos de mim e eu mesmo. Fora dali, me sufoca, existir, me sufoca, viver, me sufoca. Não sei mais sorrir.
     Tudo o que lhe peço é que me entenda este sofrer tão pouco shakespeariano feito de dores tão pouco poéticas, e que não me julgue pela fragilidade exposta durante o processo de transformar em nó, a dor, em sol, a flor, e em balão de palavras, nosso desalento. Peço apenas que me entenda, mesmo desconhecendo, para que, do contrário, eu não me tranque, irreversível, por dentro.
    Vestindo a minha melhor fantasia de sã e forte, a porta me abrindo pruma realidade profundamente torpe, sinto o gosto da morte, sinto o gosto da morte. Sufoque-me.