Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

21 de abril de 2011

NUA


    Tenho me sacrificado da forma mais sincera e plena que uma pessoa como eu pode se sacrificar: dedicando-te minhas palavras e, ainda mais grave, as dos mestres também – mesmo sabendo do perigo extremo que corro de que tudo o que mais amo torne-se radioativo caso te vás. Daí talvez se possa interpretar que me livrastes dos medos, mas não, não, não creio que pare por aí. É meio como se. Como se. Como se no fundo, lá no fundo, eu cresse tanto nisso, eu e você, que não admitisse sequer pensar na possibilidade de que um dia fosse obrigada a queimar meus textos para não cortarem meu coração em pedaços ou me sugarem a vida pela boca – destino inalienável de toda obra dedicada, quando a musa se vai. Por que outro motivo, além desta certeza incerta e quase cega, alguém como eu se doaria tanto?
    Interpretação didática, constatação factual, explanação teórica, declaração de amor, enfim, entenda como quiser. Mas a verdade é que se te dedico meu bem mais precioso, e se me sacrifico assim tão plenamente, é porque também eu te pertenço plena, não por vontade ou escolha, mas assim, sem que me cobres, ordenes ou sequer peças. Sou dragão que cospe o mesmo fogo que lhe apaga, pássaro que voa, voa, mas na gaiola acaba – levado pelas próprias asas. Sou fera ferida, megera domada, não ladro e não mordo, e sou tua, tua, como e onde quiseres, até na rua, até nua – tanto nos bem, quanto nos mal-me-queres.