Sendo bem franca, em nada me interessam os porquês de ver o meu eu refletido na superfície de um vidro qualquer e de não ver-me invertido, ou mesmo a composição química do metal que o sustenta. Em nada me interessam a matéria que vejo, doçura, ou seu limite e espessura, o que é tão bobo quanto pouco, entenda, e que pra mim é muito. Interessa-me o que não posso ver, tocar, sentir ou transformar em cálculos, frios. Interessa-me a matéria incerta que habita por trás dos tais olhos de vidro, compacta e invisível. Interessa-me a matéria humana que explica a existência do ser que habita o vidro e seus olhos cansados, assustados, seus olhos acovardados frente às luzes da cidade e suas outras tantas crueldades físicas – porque é nisso que existir implica, aceite, entenda, e parta pr’outra vitrina, pr’outra vida, pr’outra sina.
A matéria humana é minha matéria-prima, e por isso preciso dos outros. Mas minha matéria-mãe, se é que isso existe, continua sendo a solidão da rua fria em que caminho, preenchendo com silencios o próprio vazio, me protegendo do frio e seguindo, seguindo, seguindo.