Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

16 de dezembro de 2010

ASCENDENTE ESCORPIÃO


     Ser feliz? Ser feliz não estava nos planos. Era pra ser tudo calmo, baby, tudo down, sem essas avalanches no peito e montanhas-russas emocionais. Nada de mãos dadas, luaus de ano novo, beijos em público ou disritmias, nada de nada. Como lidar com o sorriso que não me abandona, e lutar contra a vontade desenfreada de me arrumar inteira, ordinária, só pra você?, para quando você chegar fingir que é tudo normal, que eu sou assim mesmo todos os dias e já acordo com esse cheiro de alfazema e os cabelos naturalmente lisos e penteados mas, ah, muito obrigada, você também parece ótimo – tentando esconder com o exagero de uma risada minhas mãos ensopadas, a delatar-me o tempo todo.
     Ser feliz não estava nos planos, e não sabemos agir quando o que existe foge aos planos – disse o horóscopo desta terça-feira chuvosa e sem você. Penso, fatigada de nada, oh pobre fotografia destinada a se decompor neste meu bolso cheio de sal, silêncio e palavras não ditas – mal ditas? – e fechadas; palavras proibidas como necessidade, compromisso e paixão, subentendidas por trás de saudade, amor, tesão, porque “essas podem”, brandamente abrangentes e inofensivas que são. Parece louco, eu sei, mas os astros também disseram que amor para nós é bem mais simples que. O que também deve ser verdade.
     Ser feliz não estava nos planos, mas estamos. E por pouco, por muito pouco, agora, ainda não somos – e o que falta a gente só conhece de sonho, aquele que dorme ao lado da fotografia que guardo no bolso como um segredo (ou dois) a que toda mulher tem direito. Sacudo o brilho do meu cabelo e rio como quem tem o controle, repetindo mais para mim que para ti: Se ser feliz não estava nos planos, faremos novos planos.


"- Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
- Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
- Vou te escrever carta e não te mandar.
- Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
- Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
- Vou ver Saturno e me lembrar de você.
- Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
- O tempo não existe.
- O tempo existe, sim, e devora.
- Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
- Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros."
O DIA EM QUE JÚPITER ENCONTROU SATURNO - CAIO F. ABREU