Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

14 de dezembro de 2010

DISRITMIA LITERÁRIA INDUZIDA


    Não sou arquiteto, pigmeu, profeta ou budista. Não sou pintor, escultor ou desenhista. Não sei registrar imagens em outras lentes além das dos meus olhos. Não sou artista. Sou só um cara a viver um bom momento – o melhor momento – mestre de nada além de um papel, uma caneta e uma tentativa talvez falha de desenhar com palavras metade do que pensa e sente, digo, do que penso e sinto, além do perfeito do que vê, digo, do que vejo - sempre tão fraco, tão pouco, tão fino e tão pela metade, esse meu registro. Tira os óculos, e me olha como quem quer e ao mesmo tempo não faz a menor questão de saber do que se trata este rascunho que a princípio não lhe mostro, para depois dizer com a boca que e o quanto me ama, e com os olhos, que sentiu tanta falta quanto eu de momentos como este, tão nossos e, por isso mesmo, tão raros, silenciando qualquer possível (e provável) apreensão minha sobre qualquer coisa como eu e você, como. Retribuo, gritando sim, também, muito, demais e tanto, tanto, tanto que a pobre palavra não aguenta e não suporta e não abriga e faz transbordar e molha tudo ao meu redor, tornando doce, confuso e isso - tornando a gente.
    Não sou pintor. Não sou escultor. Não sou desenhista. Sou só um cara cujo coração palpita em verso: hoje o sol vai brilhar por nós, hoje o sol vai brilhar por nós - e é só pra você. Sinto que contagia, o meu cantar, a ponto do solo se transformar em toda uma sinfonia de corações, líquidos e pernas; então canto mais alto, e mais alto, e mais alto, chegando ao ápice de nossa confusão de peles, suores, humores e amores, conhecido por essa acidez úmida e tácita na ponta da língua.
    Aos poucos vai amanhecendo, por fora e por dentro, e não há no mundo coisa mais gostosa que a nossa disritmia. Nem mais bonita. Não há.