Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

27 de novembro de 2010

SABADOBLUES


    Que tanto temes, o amor?, ele nunca fez mal algum a ninguém. O que dói é o que fazemos nós mesmos, e a nós mesmos, os oh tão destemidos donos de luas e sóis eternamente poentes - a crueldade em formato de gente. Não peço que não voltes, entenda. Peço apenas que não te vás, que pares de brincar comigo como a um boneco de chumbo, já que nada fiz para merecer tratamento tão vil. Viu?, nem tens argumentos contrários, sabes bem como estou certa. Então larga o vai e volta, o "não quero mais" querendo dizer "venha, venha que (des)espero por você". Verdade contigo, verdade comigo, que tal?, que já fostes meu mais leal amigo - mesmo temendo tanto o perigo, mesmo correndo, correndo, fugindo, mesmo se esforçando para ter motivos para estar constantemente se desculpando e se repetindo. Quando tudo o que eu queria era um abraço, era alguém para me receber e me aninhar sem fazer muitas perguntas. Eu só queria paz, meu anjo, tarefa árdua nesses hard times: ouvir uma música melosa e não ter vergonha dessa minha dança sem jeito, sem ritmo, sem graça - jeito, ritmo e graça meus, nossos, nossos infinitinhos particulares. Sempre pedi tão pouco, sempre me satisfiz com o que quer que te dispusesses a dar-me em troca; mas estiveras sempre tão infeliz, estás sempre tão infeliz, culpando-me por tudo o que eu jamais fiz, ou que cheguei a fazer sem que ao menos percebesses, tão preocupada estavas em olhar para dentro de si. O que mais eu fiz? Eu pedi paz, pedi amor, pedi chão de terra, musiquinha baixa e milhares de coisas bobas, dessas tão pequenas quanto boas. E ainda assim me apunhalas, me abandonas, me trais ao deixar-me sozinha quando sabes tão bem que é o silencio o que me corrói, que é o silêncio o que me mata, que é o silêncio o que enche minha cabeça com amargas, pesadas palavras - overdose poética - me conduzindo aos abismos da loucura, a um cortejar de insanidade que o próprio Cazuza temeria. Mas o que logo tu, que tanto sofres, que tão pouca culpa tens, o que logo tu temes? O amor? Ele nunca fez mal a ninguém. Isso nós fazemos. Diariamente. Vês?
    Mas então voltas, e te voltas, e te sentas ao meu lado, cínica, e me olhas nos olhos, e perguntas "O silêncio te incomoda?". Então retiro do bolso todas as minhas mágoas para dar lugar às armas de que poderia dispor, mas que, por amor e respeito ao que já fomos um para o outro, prefiro guardar. Alojam-se ao fundo, misturadas, confusas. Então te retribuo o cinismo com um amargo sorriso, e te grito em resposta, tão forte e tão alto que chega a arranhar a garganta, que chega a ecoar pelas ruas, que chega a doer no peito: este meu mais e menos sincero silêncio. E este texto.