Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

22 de novembro de 2010

ORAÇÕES FUGITIVAS (Parte II)


     Ando estado tão vazia que tudo o que eu mais queria era me preencher de você. Ando estado tão breve que rezo pra que qualquer brisa leve venha e me carregue, que me livre e me eleve até onde eu possa te ver. Porque foi você quem encontrou o abrigo em que nos esconderíamos da chuva por horas até que cessasse, que utilizou-se da própria roupa para secar-me dos pingos arredios que o vento trazia só pra nos interromper - que até poderiam confundir-se com lágrimas sob a nossa visão embaçada, não fosse o fato de que estivéssemos, os dois, a sorrir. Se lembra que naquele mesmo dia lhe disse que para absorvermos as coisas temos de deixar que elas nos absorvam um pouco, também? Então peço que me absorva querido, e agora, que hoje estou aqui inteira, toda, sua e urgente, porque nesta noite tudo é terno, eterno, lento e quente - e tenho gosto de mel na boca. Você deposita em mim todo o mel do mundo, sabia?, e eu apenas o transformo em poesia. Então me pergunto, se a gente só funciona junto, qual era a cor do sol, como era o cheiro da chuva, como era a vida, como era tudo - se é que era vida, se é que era tudo - antes de você.