Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

21 de julho de 2010

She's so heavy


Pouco durmo. Ando escrevendo muito. Guardo um buraco dentro de mim que não tem prazo de validade e é fundo. Meus antigos prazeres não me satisfazem mais. Estou ficando muito duro. E acho que também surdo. Só ouço certas vozes, certos murmúrios. Já faz um tempo que não sei dizer se saem da minha boca ou da de outro. São impressões, julgamentos, discursos, um pouco de tudo. Não sei se concordo com tudo. Mas ouço, compreendo, absorvo: tornam-se meus, um pouco. E aos poucos, bem aos poucos, vão tomando conta de mim, se alastrando, penetrando em cada célula, cada tecido, cada músculo, saturando minha pele com suas palavras e pensamentos, e eu não sei como evitar ou até quando resistirei até que finalmente aconteça a explosão; e então, explodindo, liberariam, meus tecidos contaminados, oxítonas, paroxítonas, sujeitos, predicados, advérbios e adjetivos tóxicos que, assim, espalhados, entrariam pelos poros e ouvidos de outros e, assim, contaminados, os outros tais seriam dominados e saturados e explodidos e, assim, contaminando outros com oxítonas, paroxítonas, sujeitos, predicados, advérbios e adjetivos tóxicos e de outros, de ninguém-sabe-quem - pois não se sabe quem foi o primeiro a contaminar, ou mesmo o último, com sua face explodida fedendo a metano - cadeia explosiva, reacionária, radical. Ah, quanta loucura, e se seria isso, se seria assim, ah, eu não sei, eu nunca vou saber. Como vê, não explodi ainda, caso contrário não estaria aqui pouco dormindo, muito escrevendo e aprisionando um buraco dentro de mim. Não, não explodi. Como? Faço a única coisa que sei ou posso pra tirar essas palavras da minha cabeça: escrevo. Quando me negam, escrevo. Quando me largam, escrevo. Quando o buraco alarga, escrevo. Quando dói, escrevo. Quando vira ruína, escrevo. Quando o filme termina, escrevo. Enquanto eles gritam, ah, eu escrevo, escrevo, escrevo. Eu escrevo. Despejo meus excessos no papel, me desfaço das tensões e velhos realejos. Me desfaço e desfaleço. Como uma abelha que morre após o golpe certeiro, sou rainha, sou rei, e morro um pouco junto com cada palavra que escrevo. Mas há sempre tanta morte antecedendo frase, tanta morte nas palavras que perco, tanta morte no buraco e nos sonhos perdidos, tanta morte no mundo inteiro; que diferença faz? Ouvi dizer que caminho pra liberdade é morte ou insanidade, e eu acho que estou enlouquecendo. Amém?