Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

18 de julho de 2010

Que alguma coisa adormecida tenta falar


Mania de colecionar fatos, acumular relíquias, guardar tesouros e fardos e, bem, jogar tudo no bolso, acumular, colecionar, enfim, tanta coisa inútil, tanta coisa fútil, e quanta coisa essencial no meio disso tudo: tem nota não-gasta gasta, pedaço de espelho quebrado, melodia de dona de casa casta, um pouco - meio muito - de passado, tampa mordida de caneta e até você. Quando meto a mão no bolso e te esbarro, é inevitável, você sabe, tem sempre aquele choque, aquele chacoalhar estranho, e é tão forte que às vezes me pergunto se não sentiu o chão tremer aí do outro lado do mundo: China, Japão, já nem sei em que coordenada se encontra, mas sei que é longe e que quando esbarro, quando minha mão te esbarra, ah, ouve!, o chão chacoalha, e quando chacoalha, será que não vê?, ah, será que não sente? Ah, esse burburinho, ah, esse inquietar, esse amolecer de tudo, essa poesia em prosa, delírio surdo, esse eco de dentro do bolso pra fora do bolso quebrando tudo; Isso tudo me prende, me rende, paronímia indispensável, e sei que percebe e sabe porque, bem, falo disso já tem tempo e ainda repito e, bem, se você sente o tremor e sabe que que que deve haver um motivo e que alguma, que, que alguma coisa adormecida tenta, você sabe, essa coisa que, bem, essa alguma coisa adormecida que tenta, digo, eu, você sabe, eu às vezes, bem, é que às vezes fica, bem, tem que ser dito, mas as palavras, você sabe, e, bom, é que na verdade eu nunca.