Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

15 de julho de 2010

AOS CUIDADOS DE:


Cuida bem, meu bem, cuida bem de mim. Cuida bem de ti, que estou aí dentro e posso te sentir tremendo. Cuida bem do espelho que nos separa, oceano de vidro, e que nos une. Não esconde minha face de ti e, oh, por Deus, não esconde tua face de mim. Que te quero bem e muito, assim tanto que até podes ver através dos olhos teus, as labaredas deste enorme querer; assim forte, assim frágil, assim. Cuida bem do espelho que te mostra o sujo e feio que queres evitar, que só é sujo e feio por culpa dos olhos; mas como é doce, ah, como é doce e terno!, como é bom o gosto das coisas sujas, meu amor. Não tem medo de contaminar-se: tens olhos contaminados, e ainda assim te quero. Cuida bem do sujo que é teu e só, que habita em ti assim foragido, assim destemido, que puxas pelos cabelos com brutalidade como a uma erva daninha por desviares os olhos das magníficas pétalas e tapares o nariz, privando-se assim do aroma mais doce e mais terno da terra: o que se desconhece. Cuida bem do que vaga em ti sem que queiras, do que aprisionas tão ferozmente aí dentro todo tempo, do que inutilmente tentas arrancar; ele estará aí de qualquer jeito. Tem orgulho de ti, e assim de mim: não nos esconde de ti. Quero ver sua face de novo brilhando de medo pra mim. Tem orgulho do que te causa mais medo, que isso é teu e de mais ninguém. Não te esquece que aqui, do outro lado, existe um medo que muito te quer bem.