Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

18 de junho de 2010

Nem uma gota.


    Você não pode me quebrar, menina. Eu já nasci quebrada. Você não pode ferir a Senhora da melancolia, a dona da dor, não pode. Ouça a voz da sabedoria: Só se pode encher um vaso até a borda. Nem uma gota a mais.* Por sua culpa, hoje sinto o gosto de agosto, embora seja quase dezembro. Sinto a dor correr pelas minhas veias e penetrar a alma. Sinto os músculos enrigecerem enquanto o vento frio da janela que não vejo penetra a superfície do meu quarto, enquanto petrifico ao ouvir o tilintar de vosso salto, enquanto conto no teto as inúmeras sombras projetadas do nosso passado, enquanto me pergunto: "O que é que eu fiz de errado?"
    Pediria que me quebrasse, menina, mas não pode. Eu já nasci quebrada. Não tente ensinar um padre a rezar, um doceiro a fazer doce ou um artista a pintar. Muito menos um doente, a sarar. Nem tente.
    Imagine o quão duro seria dar-se de conta um dia de que o sacrifício de vossa cria tivesse sido em vão!? Que este dilúvio de lágrimas sirva, ao menos, pra preparar o solo pr'uma nova estação. Oremos.


*Uma História de Borboletas - Caio F.