Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

25 de março de 2010

Três Vozes.


Como se calam as vozes que vem de dentro da cabeça? São tão chatas, barulhentas... São verdadeiramente irritantes. Fecho os olhos enquanto uma grita, outra murmura e a outra canta. Encaro as três, dissonantes. Nenhum encanto. Observo a maneira com que se portam ao mostrar as pernas em lugares públicos, como se importam com nada, como tem medo de tudo. Fazem festa, dentro da minha cabeça, as três vozes caretas, vezenquando juntas, outras não, mas sempre ecoam, as tais vozes. Abrindo porta de salão, desfilando à meia noite em seus vestidos em trapos, suas vestes de gala mal tratadas pelo tempo e pelo orgulho da ausencia de tantas coisas. Riso alto na madrugada de piada interna a troco de nada: insuportável leveza gozada. De alguma forma, todas estão ligadas. São ligadas pelas linhas invisíveis que saltam de seus vestidos, pelo glacê imaginário como fezes sobre umbigo, pelo desafino de voz identificado por um amigo, e por tantas outras coisas sem nome. Ligadas, sim, por algo que não se define, ou cuja definição talvez se encontre em algum lugar entre as partículas de pó que pairam no espaço entre suas cabeças, eternamente perdida. Elas ecoam, ecoam. Elas ecoam dentro da minha cabeça. Gritam, gritam muito, gritam tudo o que não se quer ouvir, murmuram silenciosamente mil juras de um outro passado, de outro passado e de tantos outros passados presentes. Cantam os encantos das sereias latinas, das moças mais bonitas, cheias de gingado, e das rodas de samba do mestre Cartola. Não perdem hora!, jamais desafinam, penso que belas seriam, se as pudesse enxergar.
Abro os olhos. Nada vejo.
Ah, futuro passado-passageiro, me faz um favor e passa ligeiro.


Não chore ainda não, que eu tenho um violão e nós vamos cantar. Felicidade aqui pode passar e ouvir, e se ela for de samba há de querer ficar. [...] Tem samba de sobra, quem sabe sambar que entre na roda, que mostre o gingado, mas muito cuidado, não vale chorar.
Olê Olá - Chico Buarque