Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

26 de dezembro de 2009

Modelo de Dalton.


Quantas tragédias cabem em um espaço de dez metros por, não sei, três, quatro? Trinta e cinco sentadas, não sei, talvez vinte em pé. Cinquenta e cinco, cinquenta e cinco pessoas e mais algumas se apertarmos bem. Dar lugar pras tragédias mais longas, uma tragédia e meia, meias tragédias e uma inteira. Meia tragédia e caroço de melancia. E mais algumas tragédias. Vinte e tantas tragédias em pé se esbarrando, mais as trinta e cinco sentadas, mais as meias, as inteiras e as que valem por dois. Mais duas tragédias e meia, e menos uma tragédia. Menos três e meia e mais uma. Sem tragédias. Menos duas. Três ou quatro em forma de uma e assim por diante.
Quantas tragédias abriga esse cubículo de dez metros por três ou quatro sobre rodas? De alguma forma parecem ficar ali, impregnadas no couro dos assentos ou na superfície dos puxadores de janelas. Como se, ao entrar ali, sua tragédia se confundisse e fundisse com a do outro, essas tragédias seculares. Como se, ao sair dali, fosse não só uma tragédia modificada, profunda e verdadeiramente diferente da que entrou, mas milhares, milhões, trizilhões de tragédias (con)fundidas. Como se a sua tragédia-prima estivesse agora, de alguma forma inexplicavelmente-quase-mítica, impressa ali no meio das tantas outras, assim como a modificada, ansiando pelas próximas tragédias-primas que hão de modificar e juntar-se a elas com a mesma ânsia. Transitando de latitude em latitude, longitudes e pontos cardinais, ordinais, pertitudes e outras coisas mais. Algumas tragédias a mais. Algumas a menos.
Tantas tragédias flutuantes, paradas, simplesmente existentes, as futuras, passadas, presentes, sentadas, inteiras, de homens, mulheres, rotuladas, pesando, sobre rodas, cruzando rodovias, afins, não afins. Pesando. Demais. Pensando de menos. Apesar de todas essas conexões desleixadas, des-eixadas, pluri-direcionadas, donas de nada, absolutamente nada além de vértices, esses pontos em comum que acabam se estabelecendo e por vezes distanciando, que são as próprias conexões. Tão óbvias que semi-palpáveis.
Invisíveis.
Indivisíveis.