Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

20 de junho de 2009

Assim falou Sarah Shuster

        Já perdi a conta das vezes em que encarei o mesmo grão de areia recém-caído do All Star por horas. Não me pergunte a relevância disso, talvez ao fim do texto eu consiga descobrir. Ou talvez não. Mas a questão principal é: Deus, como eu adoro encarar as coisas! Sabe, esses objetos corriqueiros. E ficar tentando inutilmente pensar em como eles poderiam virar metáfora, uma dessas boa o suficiente para ser posta, sabe, num texto... assim, como esse. Eu sempre tive curiosidade sobre como a mente dos gênios funciona, quer dizer, será que eles saem por aí caçando metáforas como eu (pescou a ambigüidade?) ou elas simplesmente aparecem para eles em um sonho? A segunda hipótese, provavelmente. Afinal, eles são gênios, não são?
        Lá estava eu escovando os dentes e encarando um objeto que eu adoro, adoro, adoro encarar e não pense que eu sou algum tipo de narcisista ou sei lá o que. Sim, eu estava me encarando. Eu me encarei e me encarei e me encarei, várias vezes. E de repente me peguei conversando comigo mesma em um idioma estranho, talvez instalado de alguma forma no fundo (bem fundo) da minha consciência. Era estranho para mim, certo, mas isso não me pareceu de forma algum estranho. Acho que já estou completamente acostumada com a minha própria estranheza. O que não é realmente estranho, já que eu sou estranha e é assim que pessoas estranhas funcionam. Estranho?
        Mas aqui estou eu mudando de assunto e, acredite, é um dos maiores problemas que ocorre quando se conversa consigo mesma através de um espelho de banheiro ou, tanto faz, quem sabe até em um texto que pode, talvez, virar mais um link dos arquivos desse blog. Falando nisso, leiam Hit Me e Sleep, ambos de outubro. Péssimos títulos mas os demais textos são realmente ruins. Enfim, lá estava eu conversando comigo mesma através do tal espelho do banheiro como se a pessoa do outro lado do espelho, que vamos apelidar nessa conversa informal que estamos tendo de “Lulu”, fosse outra pessoa. E eu dizia “Hey, Lulu, não tão rápido, não queremos nos meter em nenhuma encrenca!” Na outra língua, é claro. Agora que eu estou parando pra pensar, talvez fosse aquela língua dos Oompa Oompas na reedição da Fantástica Fábrica de Chocolate (senti saudades de um Charlie que me fizesse chorar e um Wonka que realmente me fizesse querer, sabe, receber um Golden Ticket), mas isso não vem ao caso. E de repente os meus olhos se desviaram da pequena Lulu dos cabelos arrepiados e se concentraram no azulejo. Ah, azulejos! Sempre frios mas sempre quentes, eu adoro. E lá estavam aqueles belos peixinhos desenhados, formas diferentes, cores iguais, enfileirados, todos na mesma direção! “Lulu, você não vai acreditar! Eu achei uma metáfora!” Certo, então eu olhei de relance para a Lulu e seus olhos estavam brilhantes, irradiava paixão através de seus olhos! “Lulu, veja só como você é uma boa amiga, você está vibrando! Comigo!” Ok, essa foi uma péssima frase... Desculpa, Lulu. Voltei a olhar para os peixinhos, encarei seus olhos. Engraçado como não havia luz ali, eram apenas... olhos. Será que sabiam em que direção estavam seguindo? Não se sabia. Eu só sabia que queria saber. E saberia. Certo, e a metáfora?! Peixes, sabe, eu não gosto muito de peixes. Eu tive um quando era criança mas, por favor, eles não são muito expressivos. Mas esses peixes realmente me impressionaram. Apesar de diferentes, não iam em direções opostas. Você e a Lulu podem pensar que isso é uma boa coisa mas não, não, não, meus senhores, eles não vão conseguir me iludir, não! Direções iguais, pensamentos iguais? Hu-huh, errado! E os peixes pequenos rodeando-os? Apenas petiscos, tira-gostos, as revistas e o biscoito de maisena da sala de espera pouco molhada do fundo oceânico. A refeição principal? Ora, os peixes! Sim, sim, ou você pensou que eles fossem amigos só porque iam na mesma direção? Não, meu bem, eles vão se comer. Ou te comer. Ou me comer. Espero que não comam a Lulu, porque isso seria um sinal da minha sanidade e vocês sabem o quanto eu luto ferozmente contra isso. O que fazer? Comer primeiro? Não, eu acho que não. Ser comido, esperar. Depois, e somente depois, renascer das cinzas, como uma fênix. E ser eterno enquanto durar. E apenas... durar.
        No fim das coisas, acho que fiquei satisfeita com o resultado dessa conversa. Obrigado por virem, pessoal, e... acho que já vou indo, estou um pouco... cansada. Kit, mande um beijo pro Ivan por mim e diga-lhe que sinto muito! Bette... Eu sinto muito. Shane, amanhã eu preciso falar com você. É sobre, você sabe... o aluguel. É, de novo. Boa noite, pessoal. Venha, Lulu.

Ps.: Notem que a irrelevância do grão de areia permanece no ar. Acontece o tempo todo.