Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

5 de fevereiro de 2009

Neverland.

As crianças mentem o tempo todo. Elas mentem sem saber que o fazem, elas simplesmente o fazem. Elas mentem ao alegarem ter medo do escuro, quando na verdade só estão com preguiça de apagar as luzes. Elas mentem para os pais todas as coisas que eles querem ouvir, e mentem para si mesmas achando que eles realmente as estão ouvindo. Elas mentem para si mesmas ao acreditar que, quando crescerem, se tornarão grandes de fato, famosas, ricas, poderosas. Elas mentem para si mesmas ao crer em contos de fadas. Ao imaginar o príncipe e o cavalo branco. Ao se imaginar como a Rapunzel, cujas longas tranças a conduzirão até seu príncipe encantado, que a libertará da torre. Ao se imaginar como Cinderella, pobre órfã cujo sapatinho de cristal feito pela fada madrinha será perdido no baile de um tal príncipe, que através dele poderá achá-la e libertá-la das garras da madrasta e de sas irmãs más. Ou Polegarzinha, que se apaixonará pelo príncipe das fadas e ganhará asas.

Elas nunca se imaginam como o cavalo branco que carrega o príncipe encantado ou como o aldeão que lhe oferece água na estrada. Elas não são um ratinho que luta contra as galinhas por míseros grãos de milho. Dificilmente se vêem na pele de um sapo que fala espanhol e anda com os pés tortos - não que ele de fato tenha pele, mas acho que vocês entenderam. Elas mentem para si mesmas o tempo todo por um fio de esperança com todas as suas belas cores. Elas evitam espelhos e realidades muito mórbidas. Mentem tanto, tanto, que acabam acreditando em suas próprias mentiras.

Mas como acontece com qualquer conto de fadas, as mentiras têm um fim. Este que nem sempre é o mais fácil, o mais puro. Há um momento da vida em que o pequeno mundo das fadas congela, a carruagem volta a ser abóbora e tranças são cortada. Não há como fugir dele. Não há como lidar com ele.

Não há Terra do Nunca para crianças crescidas.

Crianças e suas mentiras!

No fim das contas, nos restam muitos espelhos, nenhum “felizes para sempre” e apenas uma complexa, terrível e imutável realidade mórbida: Viver é mentir.

Mentir não mata.

Pessoas matam.

Pessoas mentem.

Mentir não mata?

Quem não mente?

Quem não mata?

Crianças e suas mentiras... Queria eu que o mundo fosse composto apenas por elas.