Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

17 de dezembro de 2008

Sleeping Beauty

O príncipe continua príncipe e a bruxa, bruxa. O rei, adormecido, sonha em como seria lindo se pudesse sonhar. O dragão, esquecido, tenta justificar o frio que seus jatos de fogo insistentes não conseguem anular. A princesa continuará princesa nos reinos encantados da aurora que imortalizara em seu sono eterno, ininterrupto e qualquer outro adjetivo que você possa encontrar para defini-lo, e haverá sempre a incerteza. A incerteza cujo olhar daquele que ultrapassou o labirinto e cravou a espada no peito arfado da bruxa má, subiu cem lances de escada com cem degraus cada e, no alto da torre, pôs-se a velar seu sono por medo, sempre exalou e parece não querer parar. Um reino petrificado que permanecerá assim por mais alguns cem anos.
Ela usaria essas palavras pra lhe dizer o quanto lhe despreza. Despreza-te a ponto de te querer até quando não mais te quer, de te consumir até quando não lhe resta mais nada e de te tentar mesmo quando tentar não é mais uma opção. Me acostumaria a te culpar por sempre carregar no bolso seus sorrisos impassíveis e palavras certas. Por me embaralhar e montar e embaralhar e montar e embaralhar novamente e sempre. Por me assombrar em prosa e verso das horas claras às sombrias e se orgulhar disso, como um fantasma com nome e endereço fixo. Por ultrapassar o labirinto e cravar a espada no peito arfado da bruxa má, subir cem lances de escadas com cem degraus cada e, no alto da torre, exitar.
Mas o príncipe continuará príncipe e a bruxa, bruxa. O rei, adormecido, pensará no porquê do maldito rapaz jamais ter aparecido. O dragão, esquecido, acabará morrendo de tédio ou insatisfação. E ela continuará princesa de ninguém, em um castelo de ninguém e um reino de ninguém. E viverão (in)felizes para sempre.
Fim?