Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

20 de outubro de 2008

Sleep.

Arranque o medo dos olhos de uma criança e crie asas, talvez isso o faça sentir menos culpado por todas as suas mentiras. Talvez a hora certa de partir esteja impressa em outro lugar que não no relógio da sala ou um boleto bancário e, sim, eu me sinto como um assassino. A mato diariamente como se não soubesse ou não pudesse imaginar o quanto, e me orgulho disso. Arranco-lhe as jóias, os sonhos, até as calças. A vendo nua em um leilão por meros trocados que serão gastos em bebidas e putas - mercadorias sem valor. Pecador é aquele que não vê o verdadeiro valor das coisas. Só se vive uma vez. Quem não caça, vira caça. Nada pessoal, regras são regras. A felicidade não é digna dos pobres, mas uso no pescoço um colar de onisciência que apodrece, mostrando quem realmente é. Fajuto, promíscuo, forjado. Algo que você nunca conseguiria obter em um lugar menos tenebroso que aquele beco - o mesmo em que lhe conheci. E mesmo assim, me sinto vazio. Preenchido somente pela necessidade do ócio, não creio que jamais entendera o real significado disto. Vazio. Nossos filhos já não nos olhavam nos olhos, então os furamos com pregos enferrujados e respiramos. Respiramos como se não sentíssemos falta das festas que a burguesia nos oferecia com tanta freqüência quanto a de pobres nas ruas pedindo abrigo, ou dos presentes que sabíamos que receberíamos sem falta, dos favores que prestávamos em troca de anistia. Deus perdoe nossos pecados. Perdemos tudo em um belo cassino de portas maciças de nome: "Obsessão", dê a ele seu sobrenome e que os jogos comecem. O que era borbulhante foi resfriando-se, exceto em seus olhos, vivos como dois besouros que não paravam de comunicar-se um instante. Lembro-me até hoje da imagem estampada nestes pequenos animais quando irrompi porta afora - desespero. Dentre lágrimas e súplicas, dizia que por mim mudaria, que superaríamos a decadência a que levamos nossa própria família, a expulsão da burguesia, a falta de riquezas, rasgaria as páginas de seus romances, viveria somente para mim e nunca mais me faria sofrer. Enquanto atravessava a rua, não olhava para trás nem um segundo e remorso era a última coisa que eu sentia. Alívio, a melhor sensação já criada. Não parei, nem ao ouvir as buzinas dos carros, ou o barulho de pneu chorando sobre o asfalto, ou os gritos por socorro. Apressei-me a sair da cena do crime. Eu era o assassino. Eu sempre fora o assassino. Mas torna-se muito mais fácil dormir à noite quando se culpa um inocente por seu próprio crime, dentro de si. A culpa era dela, claro, pobre desequilibrada. A culpa era dele, claro, que não checava se os freios de seu carro estavam em ordem a cada maldita manhã. É muito mais fácil dormir à noite sabendo que ela nunca mais vai acordar e que eu jamais terei de encarar seus olhos de besouros novamente e mentir que não a amava mais.

[n/a] Isso é ficção, dik