Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

21 de outubro de 2008

Knock.

Se for a felicidade à porta, pense duas vezes antes de abri-la. Ou melhor, pense cinco vezes. Primeiro pense na responsabilidade de deixá-la entrar, em tudo o que terá de fazer para não deixá-la partir. Agora pense no concentimento que você juraria estar presente no silêncio, no amor pela dor que você não conseguirá deixar, jamais. Nada. Imagine os cacos de vidro que se confundiriam com lágrimas no chão, tão iguais, todas iguais. Como seria deixá-la entrar e vê-la partir, fugir sorrateiramente pela janela e quebrar-te inteira, sensação muito bem conhecida por qualquer poeta de sonhos, de lixo. A noite é muito mais longa quando ela vem. Agora não pense. Sei que como o tolo que é, abriria a porta sem nem pensar. Vá. Abra-a. Deixe-a entrar e fazer-lhe esquecer do mundo, de mim, de tudo. Obrigue-a a levar embora toda a sua sanidade e tudo o que ainda tem de bom, o que iria até o caixão com você. Finja não sentir os cuspes que ela lhe dará quando enjoar de seu gosto, seu rosto. Não poupe esforços tentando mostrar-lhe o quanto é única, colha flores todos os dias e, em vasos coloridos, faça-as de decoração para o café da manhã que levará em sua cama. Vire o mundo de cabeça para baixo em busca da alforria. Memorize cada milímetro de seu corpo, cada palavra, cada gesto, cada olhar, como se fosse o último. Saiba que será o último. O último que você verá antes de deitar a cabeça no travesseiro e chorar. O último a te encarar, plácido, antes que durma, pra sempre. Em seus melhores trajes ouvirá gemidos: "Por que ele fez isso?", "Era tão jovem". Vampiros falam. A mente faz coisas de que a própria mente duvida.
Se for a felicidade à porta, pense duas vezes antes de abri-la. Ou melhor, pense apenas uma. Pense que se caminhar silenciosamente até o livro que lhe dei em dias mais felizes e sacudi-lo, encontrará uma bela surpresa, a que me salvou do abismo, da bolha que o corpo criou para não se machucar ainda mais, a proteção. Um leão negro de 10 milímetros, quem lhe acompanhará no leito de morte e lhe fará muita falta.
Abra a porta. Não há mal nenhum em ser feliz, agora.