Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

26 de outubro de 2008

Hit me.

Pagar o preço por algo que não mais existe só o torna mais obsceno. Se memórias pudessem ser vendidas, teriam o preço de grãos de açúcar. Calculadoras quebrariam como corações em casas decimais precedidas por vírgulas, como nós. Matar-se diariamente e reunir coragem para seguir em frente, algo admirável. Uma mente de ideologias calada faz muito mais barulho e o sonho nunca acaba, exceto se ele jamais tiver existido. Coesão, sinto falta dela. Frases soltas se unem por um único ideal: desejo. Um desejo que vai além das barreiras do normal, do ponderado, do conhecido e do inteligível. Indecifrável como tudo o que os olhos tentam omitir o tempo quase todo, mentiras. Desejo de algo que faça diferença, da folha pautada que absorva todas as lágrimas e, oh, também as gotas de sangue, de coisas aleatórias, de lembranças. Vejo as lembranças, como um cego que vê seu cão-guia em maior profundidade do que a que você adota olhando às suas revistas em quadrinho que vão te tornar mais popular. Vivo de lembranças, porque não há mais nada por que viver. Me alimento de lembranças, porque o gosto amargo da proteína em decomposição se tornou demasiadamente detestável ao meu paladar. Respiro lembranças, pois meus pulmões se resumem, agora, a gárgulas de dióxido de carbono nas sombras, aquelas que o sol não poderá trazer a vida jamais. Arranco as roupas do corpo e me cubro de lembranças, porque não há mentira mais doce que a ilusão de uma lembrança. Veja o autoflagelo apenas como uma forna de acenar à morte, esta que nunca pareceu tão próxima e tão tentadora. Eu poderia até tentar tocar sua face com as pontas dos dedos e mesmo assim não sentiria absolutamente nada, os anjos não têm cor. Devina existência, como melhor convir. Prepotência em acreditar em um ideal que vá além das grades, além disso tudo. O mentor sempre é o primeiro a crepitar nas chamas da fogueira e, ainda assim, clama a Deus, em fúria, por redenção. Quando a poesia começa a fazer sentido, o disco se parte e desentegra a palmos de seus olhos, como um tapa na cara que queima desde a expectativa. Sentir-se como eu, sem saída, e perceber que não há nada a perder quando não se tem nada. Eu, que quis o perigo e até sangrei sozinho. Eu, que me achei tão forte e me vejo nocauteado. Eu, que tentei reconstruir pontes que dilacerara com minhas próprias mãos e que tentei fazer rimas em uma cama de hospital. Eu, que tentei ser um grande homem e agora sou menor que uma mosca de meias asas. Eu, que tentei acreditar em um mundo que não existe e na união dos povos. Eu, que fui Alexandre. Eu, que também fui Hades, Atena e até Zeus. Eu que tentei achar o caminho para o Olimpo e vago até hoje procurando a mim mesma.
Agora me diga que eu sou um homem mau e todas as malditas verdades inconvenientes que vêm queimando incubadas em sua garganta por anos. Nada que eu mesma já não tenha escrito em sangue na parede do mausoléu onde há tempos me tranquei, onde você não entraria jamais.
Agora bata na minha cara com a maior força que conseguir, vamos.
Você nunca vai voltar para casa.