Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

30 de outubro de 2008

Burn.

É frio aqui, onde você me deixou, mais do que você jamais poderia imaginar, eu aposto. Ignorados foram os que um dia pediram a Deus que me mandasse para o inferno. Respiro em um lugar bem pior e bem mais distante e bem mais sujo e bem mais próximo e bem mais frio. Calor, tudo o que eu mais poderia desejar agora. Cobertas quentes, abafadores de orelha, ah, abraços, qualquer coisa que pudesse aquecer meus olhos antes que brotassem as lágrimas, que derretesse o gelo. Lágrimas são lágrimas de gelo. É, é frio. Tendência natural de jogar fora o que não é mais útil, mesmo que a lixeira durma ao lado da sua cama e sorria para você toda noite enquanto todas essas pessoas, sem sexo e sem rosto, circulam livre e aleatoriamente por ali.
Papéis coloridos e um fósforo. Lembranças poderiam aquecer outras lembranças e, com uma labareda interminável, derreter todo um continente. Talvez eu pudesse ver o sol. Talvez, se ele me tocasse, não faria estrago maior. É frio.
Se eu encontrasse algo comestível em meio ao lixo de papéis coloridos, fósforos e baratas onde fui jogada por um de seus capangas, não o ingeriria. Lembranças poderiam aquecer outras lembranças e, com uma labareda quase inexplicável, causar uma grande explosão. Ao infinito e além. Eu poderia tocar o sol agora, meu escudo feito de cicatrizes e memórias me protegeria do calor, mas é frio. Ainda é frio. E é sujo. E é belo. Ah, uma bela chama!
Uma bela maldita chama que só queima na maldita mente de um maldito pecador por nunca ter cometido sequer um maldito pecado, por nunca ter saído de sua maldita casa, ou queimado seus malditos papéis coloridos e suas malditas, malditas, malditas lembranças. Mas, oh, sim, uma bela chama!

Mas ainda há o frio. Ainda há muito frio.