Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

9 de outubro de 2010

Orações fugitivas


Demorei, talvez tempo demais, para perceber que ninguém pode salvar ninguém, e que, por consequencia, também ninguém pode ser salvo por ninguém. Inconsciente das regras do jogo, talvez tenha sido aí que perdi (à sanidade, a você e a mim). Falo assim, amor, com esse ar decadente, pessimista e calejado que já conheces bem, mas entende que não é como se não doesse dessa vez, como se a teorização descaracterizasse a enorme realidade que tem a coisa. Não. Ela continua aqui, real, terrivelmente real, assombrando e machucando como sempre, senão cada vez mais. E acho que cheguei a um ponto em que não é possível andar para frente ou para trás. Estou sentado no melhor lugar que existe para observar o espetáculo da vida, o que implica em assistir como a mesma desvia de mim deixando no ar rastros luminosos em formato de espiral, estrelas e semi-círculos coloridos. Aprecio a vida que acontece o tempo todo fora de mim e desaparece aos poucos, e percebo, enfim, que o mundo não me odeia, que o mundo não me conhece, que o mundo não dá mesmo a mínima pra mim e meus pequenos feitos cotidianos e que não passo de mais uma existencia numérica vazia que vai deixar essa Terra tal como a encontrou: infinita e crua, infinitamente suja e nua e barrenta e maldita e, sobretudo, vazia, repito, vazia, de sentido, de espírito, de tudo, como eu. A realidade pode servir como anestésico, meu bem, mas apenas ao que as metáforas tornam-se em demasiado fantasiosas e não suprem nossa própria necessidade de deixar de sentir a dor da existência, da desistência, o que não é o caso. Talvez seja falta de escape, de saída, ou talvez só vontade de fugir da vida, ou talvez, sei lá. Talvez ande esperando demais, mesmo sabendo que esperar desespera, que é procura sem movimento, que é procura sem distração, entende?, que é. Que é? Que continua doendo assim, que continua dançando dentro de mim e deixando para trás espirais de sangue e horror e rancor e metáforas inacabadas com gosto de licor, e noites infindadas, e esperas desesperadas, e distrações impensadas, e. Não, não, não me importo em parecer meio tola, não. Sei que pode não adiantar de nada, que talvez seja inútil tamanha e triste constatação feita em estado de fraqueza, calamidade, solidão apaixonada. Mas há quem diga que palavra dita não é em vão. E há até quem diga, meu amor, que acredita. Meu amor, acredita. Acredita.
(que sem ti não há vida)