Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

28 de maio de 2010

Mentiras sinceras não me interessam.


    De todas as promessas que já fez, admito, nenhuma me afetou mais que esta, que estas, estas presentes, pois que, por seu intermédio, mostra-se tempo todo ausente e ainda mente, espalhando suas juras displicentes e desperdiçando, em vão, saliva e mente com esse tanto de gente que nem mora no coração. Mas ela sabe tão bem quanto eu do pesado fardo que carrega e de seu duro semblante, tão pesado quanto o meu, tão duro quanto o meu, e as mãos, tão pálidas, a testa, tão franzida, e as emoções, tão frias. Sim, eu sei. Portanto, não acredito no que diz, não acredito nela. Ainda assim, ela me assusta. Ela me ameaça a estabilidade. É incrível que sua total ausência de verdade passe despercebida aos olhos deles enquanto eu, logo eu, sou tachado de perigoso e marginal. Eu, que não minto ou omito, que nem ao menos finjo, no máximo fujo, que só sou um pouco sujo e um pouco muito confuso. Mas sou real, inteira e intensamente real. Penso que é por isso que não me perdoam, que me rendem, tacham e desacreditam: porque não vivo simulacro, não faço da vida o palco das minhas maiores mentiras ou sequer acho graça em reproduzir juras de amor pra qualquer desconhecido. Estou cansado, farto, e não consigo. Não consigo mais pensar no que fazer. Não consigo mais pensar no que fazer pra convencer-lhes de que. De quê? Não sei. Só sei que a odeio com todas as minhas forças, pois sabe, como ninguém, ser essa coisa que eu jamais soube.
    - Saiba que se fosses palpável, menina, te botava na boca e engolia inteira, arranjava qualquer maneira de te esmagar com o dedo como a um inseto, rastejante, asqueroso, sem asas, qualquer, assim rápido, assim fácil, te mataria por roubar os meus sonhos todo dia enquanto respiras, sem o menor esforço, como que rindo do meu sangue e suor, da minha dor e da minha luta. Não és real, menina, não és real. Menina-dura, mentira-fria, fera-ferida, por que não desapareces da minha vida?