Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

3 de maio de 2010

O Poço


Roubo tuas palavras e as vulgarizo, à medida em que as distribuo por cada memória que sinto emergir aos muitos, até que em dado momento deixem de ser exclusivamente tuas ou sequer parcialmente minhas, já que me foram dadas um dia e hoje, displiscente, lhes abdico: são do mundo, exclusivamente do universo, quem sabe?!, das estrelas, dos Orixás, da eternidade. Eternidade... ânsia fajuta de uma maioria carente de qualquer coisa e, ao mesmo tempo, medo, medo extremo, eterno, profundo, profuso, contundido - luz demais, repito, enquanto me afundo cada vez mais neste poço opcional sem fundo, profundo, profuso. Contudo, com tudo nada mais faço senão rezar que uma mão gigante vinda de sei-lá-onde venha e me tire daqui, contra a minha vontade, sim, contra tudo, contra os muros e as gases e o frio e as palavras. Roubo tuas palavras. Vulgarizo-as. Distribuo-as, displiscente, por cada memória que sinto emergir do fundo, lá do fundo, do fundo para o qual me dirijo, pro fundo, profundo, profuso, pro.