Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

21 de maio de 2010

Coragem. Voragem.


Essa vontade enorme de abrir a lata do lixo e escavar entre os detritos e se contaminar. Não muito, só um pouco, o pouco suficiente, se é que isso existe. Tamanho é o desejo de contaminar-se outra vez além daquela em pensamento, que paras por um momento por medo do que conheces demais e até te atenta. Pensa em voltar atrás, mas nem tenta, não quer dar com a cara na porta, digo, nas mil portas há muito mortas, fechadas, por essas lágrimas desesperadas que não caíram jamais, que, veja bem, não cairão, posto que vestes teus olhos de vidro, do mesmo vidro que achei no lixo ao chafurdar-lhe uma ou duas semanas atrás a procura de. Medo do lixo que te atrai e atenta, de seres por demais lenta ao refrear a insustentável vertigem do amor carnal, central, e com isso quero dizer: aquele vem do centro, bem, de dentro, de onde surge o desejo de contaminar-se por fora e por dentro, principalmente por dentro (do centro). Mas também por todos os lados, os outros lados, e de todos os jeitos e. O desejo de ferir-se e corromper-se e poder chorar, chorar até não poder mais, sabendo que o pode: melhor que quem tem motivo e não pode, ou até pode, ou?; chorar sem saber por que se chora, por que se fere e se corrompe e se contamina e ao mesmo tempo elimina toda forma de compromisso com uma pitada de dor ou rancor, ou o oposto, ou. Nossa forma particular de desentender a mesma matéria imaginada e de incluir interrogações nas entrefrases do sentimento, ah, beira entendimento, beira desprendimento, beira desespero, Paixão, chuva ácida e um pandeiro na mão, vê se limpa esse coração que, fim do dia, fim das contas, nem foi contaminado, não.
Lixo, ainda lá. Você, andando pra. E eu.