Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

9 de fevereiro de 2010


        Tenho um coração leproso e, por consequencia, deficiente. Diferente. Contudo, jamais indiferente.
        Meu coração é doente. Eu sou doente. A compaixão? Fica guardada no bolso, querido, limitada à demagogia da moral e do discurso. Meu coração doente é imoral, e a imoralidade, atemporal. Não aceita demagogias. Prefere ser doente, imoral. Eu prefiro ser doente, imoral. Prefiro parar raio trovão vento chuva poeira besteira, matar no peito de qualquer maneira e continuar jogando essa merda de jogo que é a vida e que, dizem as boas más línguas, segue a ideia da Seleção Natural de Darwin. Eu sobrevivo. Afinal, coração doente também pulsa, vezenquando dói, às vezes não, outras tanto faz.
        Ah... Coração saudável de dono fraco, já ouviu falar? Essa coisa de fraco-forte, bobagem, bobagem, o fraco é sempre tão forte, sempre tão forte, sempre tão forte. "Forte" precisa de nada, de ninguém, forte mata no peito sozinho e segue em frente sem olhar pra trás. Forte não sangra, não sofre, não cai, não chora. Forte tem sempre tanto controle de tudo. Mas o fraco, não! O fraco sofre muito, porque ama muito, é sempre o pisado, o humilhado, o INJUSTIÇADO, o mal tratado. Precisa, por isso, de apoio, cuidado e colo, fraco precisa de amor e carinho todos os dias. Ele precisa desabafar, precisa chorar, precisa sangrar, e precisa, acima de tudo, de compreensão, pois é fraco, antônimo de forte. O forte é quem pisa. O fraco é o pisado. E quem é forte, é forte, quem é fraco, é fraco, a escolha não é sua e não é permitido mudar de lado.
        Meu coração é doente. Não pode haver outra explicação pra isso, pra estar desse lado e estar sozinho. Devo ser doente. É, eu sou doente. Minha doença é ser eu e não ter cura. Minhas cicatrizes não passam de feridas abertas, expostas, mas não o suficiente já que, se o fossem, eu estaria do outro lado. Eu não estou do outro lado. Eu estou aqui e sou forte. Eu sou forte. Eu não sangro e não choro e não preciso de ajuda, eu não preciso de ninguém, eu não preciso, eu não preciso de ninguém. Dispensaria qualquer compaixão, mesmo que ela estivesse fora do bolso, e não dentro, e fosse além da demagogia formal e moral do discurso. Eu sou doente e imoral. Eu mato no peito. Eu sou imortal. Eu sou.






(não precisa de título)