Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

23 de novembro de 2009

Eu vi uma borboleta.


Eu vi uma borboleta. Sim, sim, eu vi uma borboleta! Eu vi uma borboleta azul, azul assim... da cor do mar.

Quando eu vi uma borboleta... digo, quando vi a bor... perdão, quando eu vi a borboleta azul (azul-da-cor-do-mar), tentei prendê-la (a borboleta, aquela, aquela azul, da cor do mar!). Preparei redoma e tudo, fiz até furo pra que ali entrasse ar.
Quando eu vi uma borboleta, quero dizer, a borboleta, digo... aquela, aquela fadinha azul, azul, azul assim... da cor do mar... Tentei prendê-la. Juro, juro por Deus, eu tentei prendê-la! Mas enquanto eu preparava redoma e tudo, enquanto furava (um furo!) pra poder ar entrar... Fugiu, minha fadinha cor-de-mar. Sumiu. Voou. Foi embora. Escapuliu. Etc. Com suas asinhas pequenininhas tão, tão azuizinhas... como o mar. Da cor do mar.
Me perguntaram, um dia, se eu já vi o mar. Respondi: "Mas é claro, meu senhor, que eu já vi o mar". A risada que se seguiu cessou na porta do hospício, manicômio, abrigo dos loucos, tudo branco, etc. Quando, hm... ali me deixou. Mas eu não me importo, por que haveria de me importar? Eu vejo mar, sim, sim, eu vejo mar! Juro por Deus que vejo mar. Vejo mar em todo, todo lugar. Mar azul, cor-de-borboleta. Digo, da borboleta. Quero dizer... daquela bor... daquela... aquela...



"Procura acalmar-te e deslizar pra dentro dos tais cérebros o mais suavemente possível, para não seres triturada pelas arestas dos pensamentos, e tudo é natural, basta não teres medos excessivos. Trata-se apenas de preservar o azul das tuas asas. "
Caio Fernando Abreu em "Uma História de Borboletas"


[N/A] Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Dados os devidos créditos.