Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

4 de outubro de 2009

Os demônios que me tentam.


       Sou dominada por uma série de barulhos. Uma série de ruídos.

       Primeiro, as gotas de céu que choram lá fora e batem insistentemente em minha janela embaçada. Em seguida, o eco de salto arranhando assoalho e um rangir conhecido de porta se abrindo. Ela sempre se abre. Silêncio, ressonante, regido pelo compasso das batidas do meu coração ou de seu tamborilar de dedos. Por fim, das profundezas do peito arfado surge uma gargalhada demoníaca que atinge em cheio os derrotados. O derrotado. O mundo inteiro.
       Sou consumida por barulhos. Por esses sussurros incômodos das tintas de parede. Por essa marcha incessante de corpos imaginários ao redor do seu - e dos nossos. Por essa vitrola que desafina versos que não suportamos mais ouvir. Que não suportamos jamais. Por esses bochichos de lavadeira e uivos de lobo, à lua cheia. Por esse instinto que se desfaz ao soco que grita, ao beijo que grita, à sorte... que brinca. E brinda.
       Sou consumida por barulhos. Deixo-me à deriva para que me levem e façam de mim o que quiserem. Deixo que me corrompam, sim. Que me penetrem, me atirem e me partam, pra que eu possa, como eles, partir. Parir.
       São esses os demônios que me tentam. Que me lambem, que me lembram... Que nem o mais puro dos corações é ausente de ruídos.