Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

26 de outubro de 2009

O vermelho fala (e grita).


F
ui acordado por um uivo de lobo no meio da noite.
Durante o sono, sonhei estar andando lado a lado com uma menina de chapéu vermelho. Suas bochechas rosadas sobressaíam à pele branca que cobria seu meio metro de existência não coberto pela (já explicitada) vestimenta cor de sangue. Sangue...
Então, os primeiros uivos. Me olhou assustada. Eu, em contrapartida, tentava procurar a origem dos uivos, em vão. E eles continuavam, insistentemente, enquanto ela tropeçava para trás cada vez mais rápido e com o olhar mais assustado. Foi quando o barulho cessou. Ela ficou quieta, e eu também, ambos a espera de qualquer sinal daquela criatura monstruosamente barulhenta e potencialmente perigosa. Seus olhos ainda me encaravam, petrificados. Tudo o que eu queria era me aproximar dela, afagar suas tranças castanho-avermelhadas e arrancar todos os temores de seus olhos. Dei um passo a frente, com o intuito de me aproximar e puxá-la para um abraço. Queria dizer-lhe, ao pé do ouvido, que tudo iria acabar bem.
Foi quando, então, um vulto passou na frente de meus olhos e não pude mais enchergar ou sentir nada. Fui acometido por um desespero tamanho, e uma preocupação... O que teria feito aquele vulto à minha pobre e inocente menininha? Às cegas, tentei protegê-la. Pude sentir o calor de sua pele branca como a neve nas pontas de meus dedos, resfriando-se aos poucos até tornar-se completamente fria, como mármore. Me afastei, fraquejando.
O vulto parecia se distanciar e minha visão desanuviava, exceto pela sensação de embriaguez que as lágrimas acresciam às minhas pálpebras. Sem falar do inexplicável gosto de sangue que tomava conta da minha boca. Sangue...
E então um uivo, mais alto e forte que todos os anteriores, e lá estava eu, um lobo velho correndo por entre as árvores de sua casa com sua menina morta nos braços. Acordei.
Era do meu peito que saía o uivo. Me virei e o que vi foi o reflexo de um monstro partido, quebrado. Um velho lobo-do-mar. E seu uivo, que não saía do meu peito...