Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

15 de setembro de 2009

Platônico.


Não me canso do encanto que me ilude tanta luz, tanto brilho. Mas se ofusca a minha própria, a mim não me agrada tamanho ofuscamento. Recorro à dor. Não sei se é dor ou frio. Ou um freio de fio, vazio. Não sei. Sinto que até as palavras andam fugindo de mim, como fizemos, juntos, você e eu. Esse exílio de mim, insaciável máquina de produzir pensamentos e teorias por demais pretenciosas, nunca pareceu tão apetitoso, tão convidativo. E as palavras se vão. Eu gostaria de poder ter dito o quanto sentia aquilo que sentia, e que o sentia, mas, ao contrário do que dizem as "boas" línguas, nem sempre o silêncio fala por si só. E foi tudo o que restou. Quando dou por mim, antes que me dê conta, me vejo revirando velhas ruínas, procurando as palavras que se foram. Tudo o que encontro são sombras. São vultos. São impronunciáveis, indesejáveis, impróprias, imprudentes. Retorno, senhor, ao vazio, usando de abano essas mãos de calos, cheias de estarem vazias. Me perdoe. As palavras fogem, eu não. Mas você, senhor, não saberia...
Que descansem em paz, minhas amadas palavras. Sigam seu (e, ouso dizer, nosso) rumo, em direção ao nada e, não, não se preocupem com esse velho poeta faminto. Não ousem olhar pra trás. Sequer uma espiada. Pois tudo o que veriam seriam sombras. Seriam vultos. E nada poderia ser mais chocante. Isso porque seguimos todos na mesma direção oposta, no mesmo exílio desumano, na mesma fuga desesperada. Estamos todos, senhor, no mesmo barco sem remos, sem rumos, e tanta ausência já nem parece assim absurda. Nada mais parece assim tão absurdo, se conseguimos não olhar pra trás.
A caixa de pandora permanece(rá) fechada. A humanidade, também.