Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

14 de agosto de 2009

Auto-crítica.


Não paro de pensar nas armadilhas da vida, nessa força gerada por sussessivas séries de co-incidências. Força essa que, viciados que somos em dar nome às coisas, nos acostumamos a chamar de acaso. Ah, o acaso... O belo acaso que faz dois corpos acreditarem partilhar de uma única alma. Mesmo acaso que leva um dos corpos a chegar mais cedo em casa do trabalho e encontrar sua outra metade na única cama que partilhavam, com outro corpo. Velho acaso que me leva a prestar atenção à citação de um livro, dentre diversas outras citações. Mesmo acaso que traz à tona o assunto abordado pelo tal livro em uma conversa casual que, teoricamente, estaria mais pra campo que pra cidade. E que, por acaso, não estava. O mesmo acaso que torna a vida mais interessante e iluminada pode, por acaso, resolver tirar-te a luz. Arrancar-te o interesse. Roubar-te os olhos. Levar tudo. Deixar somente o corpo.
Nós temos essa estranha mania de supervalorizar os acasos que a vida impõe. Supervalorizamos os nossos valores, que desenvolvemos através da troca inevitável que ocorre com as pessoas que nos rodeiam.
Supervalorizamos as pessoas que nos rodeiam, que o fazem apenas por acaso. Super valorizamos o amor, que não passa de um maldito fruto de malditos milhões de acasos. Supervalorizamos ganhar na loteria, o que acontece, dizemos, por sorte. Quer mais acaso que isso? Supervalorizamos a vida, a morte, tudo. E é tudo fruto do acaso.
Desde quando acaso é sinônimo de beleza? Desde quando beleza é ser obrigado a conviver no cárcere da própria mente, por culpa do acaso? Desde quando vida foi rebaixada a ser um simples sinônimo do acaso? E desde quando a vida aprendeu a ser roubada tão facilmente?
O meu conselho? Não se deixe roubar.