Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

24 de julho de 2011

THE DARK PASSENGER

    
     Ora sangro muito, ora sangro pouco. Mas todo dia sangro, calada. E não me deixam escrever.
    Gente por perto. Sufocam-me, porque não me deixam escrever. Não entendem? Preciso escrever. Preciso pôr pra fora, me livrar da pressão, sugar com a boca todo o veneno e cuspi-lo direto no chão. Sou o homem, a cobra, o veneno e a faca na mão. Sou também todos os litros de sangue derramados e escorridos, e não me aborreço, o ser humano não tem cinco? Acima e além disso, sou duplamente assassinado e assassino. Meto a boca na ferida, e o que sugo são litros e mais litros de sangue inimigo. A paz que eu busco está em algum lugar no tempo anterior à picada da cobra, no tempo posterior à eliminação total do veneno das minhas veias, ou em algum outro estágio da realidade que, de tão completamente utópico, nunca se soube real, que crio e recrio só para afastar a visão tenebrosa do tanto de sangue que perco e a consciência de que morro cada vez mais, me aproximando crescentemente do mal e do desapego. E não me deixam escrever.
    Conhecendo de cor todos os demônios da minha cabeça, me pergunto: Não deveria também haver anjos? Admito: às vezes até consigo me esquecer desta natureza profundamente triste e solitária, eterna mazela de que padeço desde célula embrionária, rindo, dançando e fazendo graça. Uma primeira porrada, e cá estou de volta à Terra, obrigada a revisitar o meu fardo e, a duras penas, aceitá-lo. Eu me calo. E não me deixam escrever.
    Gente por perto. Sufocam-me. Por que não me deixam escrever? Não entendem? Se não escrevo, todas essas coisas feias ficam presas dentro de mim, e esse nó entalado no meio da garganta não some, nem a sua ardência acumulada por tantas palavras não ditas. Copo d’água algum resolveria, como também nenhuma droga, arma ou aspirina. Resta-me, pois, fechar os olhos ante as atrocidades do mundo, inspirar profundamente todo este ar imundo, e engolir a seco isso tudo. Não escrevo, entende?, engulo. Não escrevo, me calo, e fico mudo. Não escrevo, não escrevo, não escrevo - e me anulam.
    Ora sangro muito, ora sangro pouco. Mas todo dia sangro, calada. E sufocam-me, sufocam-me, sufocam-me. Por que não me deixam escrever?


I just know there's something dark in me and I hide it. I certainly don't talk about it, but it's there always, this Dark Passenger. And when he's driving, I feel alive, half sick with the thrill of complete wrongness. I don't fight him, I don't want to. He's all I've got.
Dexter