Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

13 de novembro de 2010

Para ti.


     Ouvi dizer por aí que andastes pensando em desistir. Mas desistir de que, pergunto, se mal começastes a viver? Ouso ainda dizer, meu bem, que deves pesar bem o valor que tens e que possivelmente não vês, mas que, quando manténs os olhos bem abertos, janela da alma, para que outros possam penetrar-te, revelar-te, e às vezes até rasgar-te, possuem tamanha beleza e bondade que me parece que isso tudo não passa de... bobagem. Que preço estás disposta a pagar por uma suposta sanidade: abdicar do amor e da verdade?, por que não a explorarmos juntos?
     Olha no meu olho e promete, me promete ignorar as verdades do mundo que abrigas nos próprios olhos, apagando a chama, sufocando os versos e aprisionando o brilho; promete não dar atenção ao brilho noturno do céu ou aos formatos estranhos das nuvens, tentativas meras, fartas, fúteis, futilinúteis de provar que um Deus existe, que algo existe além da superfície, entre os celeiros, centeios e sorrisos; promete ater os pés ao chão, atenta aos dedos de outros pés à medida em que correm sobre as pontas dos cigarros que caem das mãos sobre o asfalto, cuspindo sangue dos olhos.
     Promete, meu bem, que, destemida como a vida, abdicas dela para todo o sempre, que não critico: também eu já usei deste e de tantos artifícios para escapar da solidão. Só te digo uma coisa e, se fores de fato esperta, ouvir-lhe-á com atenção: vida de poeta não tem preço, mas também não tem volta, não. A gente pode desistir de tudo na vida, menos da poesia, e talvez seja justamente aí que resida a atemporal beleza desta nossa forma pouco particular de praticar a heresia. Aceita e fica bem, vive bem, acha um caminho. As coisas andam feias, eu sei, e esse novembro mais do que nunca, mas no próximo, talvez, ou no outro, quem sabe, algo há de mudar, hemos de ver algum sentido em continuar. Até lá, mesmo antes, mesmo agora, mesmo que inútil, continuo. Puxa uma cadeira, senta, faz companhia e ajuda a embelezar o mundo ou, ao menos, o dia com toda a sua própria sujeira e porcaria - piada nossa, interna, e vadia. A poesia pinta o mundo à sua própria maneira e, assim, recria. Também nós pintamos. Aprende, entende, aceita: desenha-te as asas de uma borboleta. E voa.