Eu quero a palavra sutil que se infiltre lenta na superfície dos teus cabelos negros,
que te penetre os olhos e os ouvidos e depois, mais rapidamente, avance sobre a tua alma,
depois o fígado, o pâncreas e todos os demais órgãos vitais – quiçá até o coração -
para só então te tocar a mente, mas só então, tão e somente.

4 de novembro de 2010

A Era do Vazio


       Não deves estranhar, tu que me conheces tão bem, que seja eu a romper, mesmo que desta forma abrupta, com o presente momento agora passado. Sabes que não suporto esperas, que não aguento receios, que bem troco por minhas urgências saciadas qualquer alimento que não venha direto do seio. Tu sabes. Portanto, não te surpreende esta fala improvisada, necessidade nata de quebrar o silêncio cheio de gelo com minha única e mais perigosa espada: a palavra. Perdão se porventura vieres a considerar meus devaneios um tanto excessivos, mas concluo, após profunda e minuciosa reflexão, que o que verdadeiramente empaca nossa busca conjunta por felicidade é essa autêntica infinidade de eus, de tus e, principalmente, de nós, que pusemos em nosso caminho por uma série de motivos que ainda pretendo explicar melhor. Ou não. Porque não hei de creditar, como tu, nossa má sorte aos astros, ou muito menos acreditar que nosso principal problema seja a descrença ou ceticismo, sobre os quais tolamente insistes em depositar a culpa por nossa constante falta de bom senso e acessos de contradição. Não, não acredito em nada disso. Creio que a felicidade esteja correndo de nós, exemplo que, e me perdoe a amarga franqueza, se tivéssemos um pingo de juízo provavelmente seguiríamos. Porque os nós são fatais, e é nó o produto de nosso medo eterno de viver o que dizemos, e com isso quero dizer que é óbvio não termos medo de falar de amor, não temos medo de falar de nada, mesmo: o nosso maior medo é de descobrir o que há por trás dessa série de desenhos que a tinta dos poetas historicamente consagra e que a realidade pouco a pouco desconstrói e destrói sem pena. Como também é nó o produto de nossas tentativas, muitas vezes falhas, de encobrir com um linguajar rebuscado a falta de coragem de empregar as quatro letras mortais; de nosso abismante hábito de nos embrenhar em gozo e aventuras gramaticais só para não ter tempo de sentir o peso dessa palavra sobre os ombros, o gosto dessa palavra na língua, no lábio, o medo de fugir da superfície do imaginado, ah, e de não conseguir voltar à superfície. Somos o símbolo da modernidade, a personificação das sequelas da era de uma intelecto-contemporaneidade desgraçada. Habitamos o centro do furacão dos privilegiados, e ainda assim apelamos à sorte e tememos a morte. E tememos a vida, sobretudo. Mas nossa mente não pára, sempre encontra um tempo para encher-se de bobagens, tanto que aqui estamos, nós, os nós e o incomparável acompanhamento do silêncio mortal, mortal como nós, fatal como nós, como os nós e como ele mesmo. Porque, como eu disse, os nós são fatais. E a felicidade corre de nós. E assim, a felicidade corre de nós. Assim. Assim.
       E agora?